O congelamento da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, em 2% ao ano, conforme anunciado na quarta-feira, 28, pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), pavimentará o caminho para a retomada das atividades econômicas e a recuperação do mercado de trabalho em 2021. A despeito da guinada da inflação nos últimos meses, o Banco Central acertou em manter a taxa básica de juros da economia brasileira ao menor patamar da história, e deve esperar ainda todo o próximo ano antes de iniciar o movimento contrário aos cortes adotado nos últimos 15 meses, e ajustar a Selic para cima a partir de 2022. Esta é a opinião de Carlos Kawall, diretor da Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, em entrevista à Jovem Pan. “Não vamos, no final do ano que vem, recuperar sequer o nível de atividades que tínhamos no fim de 2019, com uma taxa de desemprego muito mais alta do que tínhamos antes. Por isso, se recomenda a manutenção da taxa em um nível baixo, num momento em que a inflação, embora mais alta neste fim de ano, ainda está substancialmente abaixo da meta.”
Segundo o economista, os impactos da pandemia do novo coronavírus na economia brasileira, evidenciada pela disparada do desemprego e pela retração histórica do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre, devem perdurar ao longo de 2021, ainda que arrefecidos pelos estímulos empregados pelo governo federal e pelo BC nos últimos meses. Além disso, o estímulo gerado pelos juros baixos em setores fundamentais da economia, como o setor de construção, deve se tornar um novo eixo para a retomada. “Nesse momento, estamos vendo um grande crescimento dos financiamentos imobiliários e na indústria da construção civil, porque os juros estão excepcionalmente baixos. Precisamos desses juros baixos para recuperar a atividade econômica e o emprego”, afirma.
A guinada do IPCA, o índice oficial da inflação brasileira, nos últimos meses, impulsionada principalmente pela disparada do preço dos alimentos, não traz riscos de descontrole generalizado. Para Kawall, o acumulo de 3,14% no índice nos últimos 12 meses encerrados em setembro ainda representa um larga folga ante a meta de 4% estimada pelo Banco Central — com possibilidade de variação entre 2,5% até 5,5% —, para este ano. O boletim Focus, divulgação semanal com as expectativas de analistas para a economia, alterou para 2,99% a previsão de inflação neste ano, ante projeção de 2,05% há quatro semanas. “O consenso do mercado prevê uma taxa de juros subindo já em 2021, chegando no final do ano em 2,75%. Mas nós descordamos dessa visão por entender que a inflação vai continuar baixa e a recuperação da economia vai ser mais lenta do que a prevista pela maioria dos economistas”, afirma o ex-secretário do Tesouro Nacional.
O Banco Central estima que a inflação em 2021 ficará em 3,75%, também com variação de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo, ante expectativa de 2,08% da Asa Investments. Segundo Kawall, manter o congelamento da Selic ao nível mais baixo da história também depende dos reflexos que ações do governo federal, como a manutenção do teto de gastos e honrar os compromissos fiscais, terão na economia ao longo do próximo ano. “Se a inflação está abaixo da meta, e há ociosidade e desemprego, o juro vai para baixo. Mas, se isso mudar, o BC muda também. Porém, continuamos numa situação que a inflação está muito abaixo da meta, um quadro bastante grave de atividade econômica deprimida, e desemprego muito alto. O regime de metas da inflação, nesse contexto, recomenda o que o Banco Central chama de política monetária estimulativa para ajudar na recuperação da atividade econômica”, afirma.